quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Un cuento chino

Devido ao grande período de inatividade de minha parte aqui no Mais da China (abril de 2011) e graças a uma idinha ao cinema nesta terça-feira (20 de setembro - dia máximo da nação sul-riograndense), fui intimado a fazer uma resenha do filme "Um conto chinês" (Un cuento chino - 2011, Argentina, escrito e dirigido por Sebastián Borensztein)
O filme começa com uma cena que aproxima-se do absurdo, passando a impressão que aquele ingresso não deveria ter sido comprado, e passa um longo tempo sem conexão aparente com o restante do filme.
Aos poucos, o filme se torna envolvente, mostrando o dia-a-dia de Roberto (interpretado por Ricardo Darín), um tipo comum, solitário, cheio de manias, e que poderia encontrar-se em qualquer esquina de qualquer lugar do mundo.
Mas estava lá ele, no que seria mais um dia da vida deste homem, não fosse um encontro inusitado com o outro lado do mundo: vê-se diante de um rapaz chinês, Jun (Ignacio Huang), quase "sem lenço nem documento" como se diz aqui no Brasil, sendo que o primeiro não fala senão o espanhol de Buenos Aires, onde vive, e outro não fala mais que o mandarim, da China de onde veio.
A partir daí, o filme não chega a abordar um provável choque que poderia ocorrer entre culturas tão distintas, mas trata da incomunicabilidade entre idiomas completamente distintos, do chinês com o mundo argentino que o cerca (com exceção aos poucos contatos que consegue estabelecer com os chineses locais); apresenta várias nuances de uma sociedade ocidental (no caso, a argentina - mas poderia ser de qualquer lugar da América Latina) num cotidiano quase real, não fosse a presença daquele estrangeiro perdido; e, quando aquele argentino revela uma de suas muitas coleções ao chinês - a sua "coleção de absurdos" - descobre que uma parte de tudo aquilo que lhe parecera surreal está encarnado à sua frente... esquece-se que o primeiro absurdo de sua coleção era ele próprio numa reportagem de jornal recortada por seu pai (?)... como não acreditar na história aparentemente absurda do hóspede inusitado, se ele mesmo fora motivo primeiro da coleção de recortes?
A película brinca com a expressão "contando, ninguém acredita", questionando se a vida é um grande absurdo, ou se o que parece absurdo é o importante da vida.
O filme não é óbvio, o final até é do tipo "felizes para sempre", mas sem visitar o previsível. E a cena aparentemente sem nexo do início tem significado importantíssimo dar um sentido ao filme.
A quem for assistir, atenção aos créditos finais: o mote do filme é baseado em fatos reais, o desenrolar foi de muita criatividade em torno do aparente absurdo que vivemos. O principal fato da vida de Roberto está nos livros de história; o acontecimento maior da vida de Jun é baseado em fato ocorrido e noticiado. Ambos aparentemente absurdos, algo mais o autor tenta dizer nisto...
Como experiência cinematófila, tivemos três tipos de audiência bem distintas: uma sino-brasileira (Ana, 安娜), uma hispano-brasileira com traços chineses (Social, 社会), e uma hispano-brasileira (Shi e Rei). O filme apresenta-se originalmente em español e 普通话 (mandarim), e legendas somente nas falas no idioma portenho. Sendo assim, o espectador facilmente compreende a situação vivida por Roberto, o argentino, mas tenta imaginar o que Jun, o chinês, está passando - situação assistida pelo Rei e pela Shi; numa situação intermediária, além dos diálogos em español, eu compreendia algumas poucas palavras (我,你,好, algum pronome...) que o chinês falava (numa situação muito parecida com a que passei para pedir uma porção de arroz e um pouco de carne de boi, no meu período em Beijing em 2008); e um filme completamente compreendido pela Ana, visto que tudo o que era dito na "telona" lhe fazia completo sentido. Ficamos curiosos por uma visão chinesa, pois a velocidade de fala e de legenda impossibilitaria um chino compreender o que não fosse dito em mandarim...
Enfim: 90 minutos bem gastos, com uma história interessante de como destinos podem cruzar-se e que o mundo globalizado atualmente nos propicia. Não é disso que o filme fala, não é essa sensação que o filme traz, é muito mais que isso... Curioso? Assiste!...

p.s.: sei que a Shi não lê blogs, mas acho que sei como a vaca do filme se sente...

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